Quarenta dias após ressuscitar dentre os mortos, à vista de seus discípulos, Jesus se elevou aos céus para dali, com seu Corpo glorioso, reinar sobre toda criatura
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 24,46-53)
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Assim está escrito: O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém.
Vós sereis testemunhas de tudo isso. Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto”.
Então Jesus levou-os para fora, até perto de Betânia. Ali ergueu as mãos e abençoou-os. Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu. Eles o adoraram. Em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria. E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus.
Estamos celebrando neste domingo a solenidade da Ascensão do Senhor. O que é isso? Foi um acontecimento histórico e, ao mesmo tempo, um grande mistério sobrenatural. Jesus, depois de ressuscitado, apareceu durante 40 dias aos seus discípulos. Concluído este tempo de 40 dias, numa quinta-feira, Jesus subiu aos céus. Por isso a festa da Ascensão do Senhor teria sido celebrada originariamente na quinta-feira passada; mas como, infelizmente, aqui no Brasil nós não temos um feriado para fazer dia santo de guarda, então a Igreja, para que todos os fiéis possam participar da solenidade da Ascensão, transfere essa festa para o domingo seguinte.
Para entender o que significa essa festa, vamos dividir nossa reflexão em duas partes. (I) Primeiro, vamos entender o que realmente aconteceu; (II) depois, vamos ver o que isso significa na nossa vida. De início, vamos ver o que aconteceu porque, se nós não tivermos ideias claras, dificilmente vamos ter alguma conclusão e aplicação para a nossa vida.
I. Em primeiríssimo lugar, temos de recordar que Nosso Senhor Jesus Cristo é Deus, ou seja, Deus eterno. Ele é filho de Deus, Deus de Deus, Luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. Então, quando falamos de Jesus, quem não tem fé se lembra de um homem; mas quem tem fé se lembra de Deus. Na realidade, Ele é Deus que se fez homem.
Nós, cristãos, cremos que Deus eterno é Trindade de amor: Ele é Pai, Filho e Espírito Santo. São três pessoas, mas um só Deus. Acontece que a Pessoa de Deus Filho criou para si — para a Pessoa divina do Filho eterno de Deus — uma natureza humana, corpo e alma. Então, dois mil anos atrás (para pegar a data tradicional: 2022 anos atrás), Jesus nasceu da Virgem Maria, o que quer dizer que, a partir dessa data, o Deus eterno tem uma natureza humana, que é dele e muito unida a Ele. De tal forma que aquele homem nascido em Belém é o próprio Deus que veio nos amar com um Coração humano, com uma alma humana
Jesus passou, então, os seus dias aqui na terra, cresceu em Nazaré, pregou o Evangelho durante três anos e, finalmente, para mostrar o quanto Deus nos ama bem como para nos salvar, Jesus morreu na cruz. O que foi que aconteceu na cruz? Bom, poderíamos aqui fazer uma longa reflexão; mas, para aquilo que nos interessa, o que aconteceu foi o seguinte. Na cruz, morreu o homem Jesus. Ou seja, o que acontece na morte? O corpo se separa da alma, mas aquele corpo e aquela alma eram o corpo e a alma de uma Pessoa divina. Então, Deus veio viver a nossa morte. É claro que Deus não morre! Deus nunca morreu nem nunca morrerá, mas Deus fez para si uma natureza humana, para viver a nossa morte e, com essa morte, nos dar a vida.
Na cruz, nós fomos salvos. Jesus, então, para manifestar essa vitória que Ele alcançou na Sexta-feira Santa, ressuscitou ao terceiro dia e, dali para a frente, Jesus começa a aparecer aos seus Apóstolos, aos seus discípulos, para renovar a fé deles. Durante 40 dias, Jesus foi aparecendo para que eles entendessem agora, finalmente — se eles ainda tinham alguma dúvida —, quem é Jesus.
Então, nós podemos dizer que, a partir da ressurreição, Jesus começou a se apresentar como Ele de fato é. Ou seja, quando uma natureza humana se une com uma Pessoa divina, sabe o que acontece com essa natureza humana? Ela é gloriosa. Não tem como não ser, gente! Veja, Jesus, durante 33 anos, “escondeu” essa verdade. Durante 33 anos, Jesus viveu, digamos assim, como que impedindo que a glória da sua divindade passasse para a sua natureza humana.
Só para recordar um acontecimento. Quando Jesus, um tempo depois que São Pedro disse: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16) — uma semana depois da profissão de fé de São Pedro —, Jesus subiu no Monte Tabor e ali apareceu glorioso para os seus Apóstolos, os seus amigos Pedro, Tiago e João. Ali, Jesus apareceu com as vestes brancas e o rosto resplandecente como o Sol. Sabe o que era aquilo? Aquilo era Jesus mostrando o seu estado “natural”. Ou seja, o que seria normal quando um ser humano, quando um homem, uma natureza humana (corpo e alma), está unido a uma Pessoa divina? É normal que essa natureza humana seja gloriosa. É coisa óbvia!
Então, o que Jesus mostrou na transfiguração é aquilo que é Jesus no seu estado normal, natureza humana e natureza divina unidas. Quando você une o ferro com o fogo, com fogo ardente, numa fornalha superaquecida, o que acontece com o ferro? O ferro se dissolve e começa a se comportar como se fosse fogo. É isso o que acontece quando a natureza humana se une à divina, na união mais perfeita que existe, que é a união hipostática.
Então, o que aconteceu? O grande milagre é: como Jesus — do seu nascimento, da sua encarnação no ventre da Virgem Maria, até a sua morte na cruz —, conseguiu esconder a sua glória? “Ah! Ele escondeu a sua glória, sabe por quê? Porque, por um ato da sua vontade, Ele queria viver a nossa vida”. Sim, Jesus viveu verdadeiramente a nossa vida; para usar a linguagem da Carta aos Filipenses (cf. 2,7-11), em forma de escravo, em forma de servo, nessa forma servil do ser humano sofredor, do ser humano que cansa, que precisa comer, dormir… Durante 33 anos, Deus fez o milagre de viver a nossa vida. Jesus como que retraiu, impediu que a glória de Deus redundasse na sua vida humana e Ele viveu uma vida humana igual à nossa em tudo, exceto no pecado, como diz a Carta aos Hebreus (cf. 4,15).
Quando Jesus ressuscitou, o que aconteceu é que não havia mais essa restrição, não havia mais essa “contração”, digamos assim, da divindade, que impedia que os efeitos dela redundassem sobre a humanidade. Na ressurreição, Jesus apareceu aos seus discípulos como de fato Ele é, com o corpo glorioso, ou seja, a sua natureza humana foi glorificada plenamente. Foi isso o que aconteceu na ressurreição.
Uma vez entendido o que aconteceu na ressurreição, podemos partir para um elemento importante. Nós temos, agora, uma natureza humana, um corpo e uma alma que estão vivendo a vida divina de forma incorruptível. Jesus já não morre mais, Jesus não sofre, Jesus não tem fome, Jesus não tem sede, Jesus não tem sono. Não sofre. É glorioso. É evidente que esse homem não tem mais lugar neste mundo, no sentido de que agora Ele é um corpo glorioso. Como Ele, que é incorruptível, vai viver neste mundo, que é o lugar da corruptibilidade? Estaria “fora de lugar”. A partir da Ressurreição de Jesus, que agora tem uma humanidade que participa da vida divina plena e gloriosamente, é evidente que o corpo dele está “fora de lugar”. Não tem mais “lugar” neste mundo.
O que é a celebração da Ascensão? Nós celebramos aquele momento em que, passados os 40 dias da ressurreição de Jesus, em que Ele apareceu para os seus Apóstolos com o corpo glorioso, agora a humanidade de Cristo, em corpo e alma, vai para o seu “lugar”, ou seja, abandona esse mundo corruptível e vai para um lugar incorruptível, eterno, perfeito, junto de Deus. Aí você vai perguntar: “Mas onde é esse lugar, padre?” Você entende que aqui não é uma questão espaço-temporal, ou espaciotemporal. Jesus, para mostrar que estava agora transcendendo este mundo, subiu diante dos seus Apóstolos.
Conforme a tradição, a Ascensão aconteceu no Monte das Oliveiras. Então os seus Apóstolos estavam lá no Monte das Oliveiras e viram Jesus subir e ser encoberto por uma nuvem. Aquilo era simplesmente uma manifestação de Deus para mostrar que Jesus não estaria mais acessível, disponível para nós neste mundo daquela forma em que Ele o estava antes, quando andava com os seus discípulos. Isso significa que Jesus, agora, embora o seu corpo esteja junto de Deus em algum “lugar” que chamamos de Céu — o qual não sabemos “onde” é, mas sabemos que “é”, porque corpo precisa de lugar —, Jesus agora está mais presente porque, no seu estado glorioso, junto de Deus, Ele está mais presente a nós.
Os místicos podem enxergar essa realidade. Por exemplo, nos Atos dos Apóstolos, quando se descreve e se narra o martírio de Santo Estevão, Santo Estevão tem um êxtase. Os judeus estão lá xingando Estevão etc., e ele tem um êxtase e diz: “Eu estou vendo agora o Céu aberto e o Filho de homem, Jesus, de pé à direita de Deus” (7,56). Jesus está à direita de Deus, “ad dexteram Patris”. Nós dizemos que Ele está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, no sentido de que Ele tem um lugar estável. Pois bem, Santo Estevão viu isso! E esse corpo glorioso de Jesus pode vir a esse mundo, se Ele quiser, como aconteceu, por exemplo, no narrado por São Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 15. São Paulo narra a ressurreição de Jesus. É o primeiro relato que temos, historicamente, da ressurreição de Cristo. São Paulo diz que Jesus apareceu aos Apóstolos, apareceu a Pedro e depois, “como a um abortivo, apareceu também a mim”.
Você vai dizer: “Ah! não. A visão que São Paulo teve no caminho de Damasco foi só uma visão. Jesus não veio fisicamente”. Resposta: É claro que Ele veio fisicamente! Por quê? Porque, senão, São Paulo não estaria falando dessa aparição numa lista de provas da ressurreição de Cristo, ressurreição corporal. Jesus estava lá presente. Na Primeira Carta a Coríntios, cap. 15, Paulo fala que, “como a um abortivo, Jesus veio em carne e osso aqui e falou comigo”. Então, houve uma aparição de Cristo ressuscitado fora de tempo (Jesus já estava no Céu) para São Paulo [1].
Então, o que acontece? Assim como, misticamente, Estevão viu Jesus lá no Céu junto de Deus, fisicamente Jesus desceu e apareceu a São Paulo. Jesus pode fazer as duas coisas: Ele pode aparecer misticamente e nós O vemos no Céu, ou Ele pode aparecer fisicamente e as pessoas O veem, verdadeiramente, em corpo e alma neste mundo. Ele é o Senhor, Ele faz o que quer.
Ora, tudo isso aqui é para você entender qual é o mistério que estamos celebrando. Nós estamos celebrando o mistério de que a nossa humanidade, que foi assumida por Jesus e foi vivida por Jesus de forma não gloriosa durante 33 anos, agora está gloriosa, ressuscitada e, claro, já que está gloriosa e incorruptível, tinha de deixar o lugar de corruptibilidade que é esse mundo. Mas isso não significa que nós não temos contato com Cristo ressuscitado. Muito pelo contrário. Ele está no Céu, na glória, exatamente cuidando de cada um de nós individualmente, como se nós fôssemos a pupila dos olhos, os seus únicos, os seus escolhidos.
Então, Jesus ressuscitado, aquele homem que é uma Pessoa divina, está com a sua humanidade olhando para cada um de nós agora, lá no Céu, e amando-nos com a sua alma humana. Claro, Deus nos ama com a sua divindade; mas Deus se fez homem e Ele nos ama também com essa humanidade. Jesus é a razão de ser da nossa vida. Ele cuida de nós, nos ama e pensa em nós o tempo todo, e nós precisamos amá-lo, precisamos retribuir esse amor e verdadeiramente olhar para essa realidade com imensa gratidão.
II. Agora, uma vez que entendemos o mistério que estamos celebrando, como é que aplicamos isso em nossa vida? Para que serve celebrar a Ascensão do Senhor? Bom, a primeira implicação dessa festa é exorcizar as heresias do tempo moderno. Por quê? Porque os teólogos modernos gostam de apresentar Jesus apenas como um ser humano. Essa é uma visão absolutamente incompleta. Nós temos de lembrar que Ele é Deus.
Santo Tomás de Aquino, quando fala do mistério da Ascensão (cf. STh III 57, aa. 1 ad 3 e 6c.), lembra que o mistério da Ascensão é importante para a nossa salvação, porque fortalece a nossa fé, a nossa esperança e a nossa caridade, mas também — quarta coisa — porque aumenta a nossa reverência por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ou seja: quando você pensa em Jesus, você tem de pensar nele glorioso. É claro que os Evangelhos nos levam a pensar em Jesus na sua vida humana aqui, vivendo a vida em forma de servo com que Ele passou nesse mundo nos amando. Mas nós precisamos também recordar em que estado encontra-se Jesus agora glorioso no Céu. Do contrário, ficaremos com uma visão amputada de Jesus. Um “Jesus pela metade”.
a) Reverência. — Se você só se lembra da vida humana, servil e não gloriosa, da “kenosis” de Jesus, do seu esvaziamento aqui neste mundo; se você só se lembra disso, você não está vendo o todo. E o todo é Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Então, Jesus, na Ascensão, aumenta a nossa reverência por Ele. E vamos ser bem sinceros: falta muita reverência por Jesus. As pessoas terminam tratando Jesus como um “cara legal”, meu “amigão”, meu “companheiro”. É verdade que Jesus é nosso amigo. Ele mesmo nos chamou de amigos na Última Ceia. Mas os Apóstolos o chamavam de Senhor! Ele é amigo, mas sobretudo é Nosso Senhor.
b) Fé. — Eu pertenço a Ele, a esse Senhor glorioso que morreu e se entregou por mim mas que hoje está glorioso. Por isso, a Ascensão aumenta a nossa fé, diz Santo Tomás, porque vemos o mistério do Cristo Senhor: duas naturezas, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, em uma única Pessoa divina, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
c) Esperança. — O mistério da Ascensão aumenta a nossa esperança, diz Santo Tomás de Aquino, porque, vendo a humanidade gloriosa de Cristo no Céu, nós nos recordamos que essa glória é para nós também! Nós também seremos um dia gloriosos, nossos corpos serão gloriosos no Céu um dia, e isso não é apenas uma “metáfora”, um “mito”, uma “lenda”. Não! É verdade. Isso dilata o nosso coração por sabermos que nós um dia entraremos na glória do Céu. Claro, numa glória menor do que a de Cristo, mas numa glória verdadeira. Esperança!
d) Caridade. — Também a Ascensão aumenta a nossa caridade, porque é próprio da caridade ser extática, qual coração que sai de si e quer se unir a Ele. Nossas vidas estão escondidas com Cristo no Céu. É como se Ele tivesse roubado o nosso coração! Jesus roubou o nosso coração e o levou para o Céu, e nós, que vivemos agora “sem” coração, queremos ir para lá, queremos nos unir a Ele. E podemos nos unir de fato em cada comunhão, em cada oração bem feita. É a caridade!
Então, eis aí para que serve para nós, na prática, celebrar a festa da Ascensão. Serve para fortalecer a fé, a esperança e a caridade, e serve para aumentar a nossa reverência por Nosso Senhor Jesus Cristo. É importante isso, o exercício de fé, esperança e caridade e a reverência, porque é nele que somos salvos. É isso o que nos salva. Depois você vai ver que, amando muito Jesus, você vai depois ter mais paciência com os irmãos, vai ser mais caridoso, mais generoso, vai viver a vida de Cristo, porque vai estar unido a Ele.
Isso tem consequências práticas, e até sociais. Quanto mais o Cristo é glorioso no Céu, mais transformamos este mundo. Por quê? Porque sabemos que estamos aqui nesta peregrinação terrena para amar e servir a Cristo. Por isso, deixando tudo para trás, nós nos lançamos e nos entregamos por amor a Ele, e com um amor bem concreto ao próximo, ao irmão neste mundo. Porque é esse amor concreto que nos leva a amar a Cristo, que está no Céu, glorioso, sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso.
* * *
1. Monições de Cristo antes da Ascensão (Lc 24,44-49). — V. 44. E depois, naqueles dias, disse-lhes: São estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco em corpo passível: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos sobre mim, isto é, em todo o Antigo Testamento, dividido nessas três partes desde o séc. II a.C. Os salmos são citados em nome de todos os Kethubhim, isto é, os Hagiógrafos, porquanto é o livro principal desta seção.
V. 45s. Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, isto é, deu-lhes o carisma de encontrar o verdadeiro sentido da Escritura e, acima de tudo, para que compreendessem que a paixão de Cristo e suas principais circunstâncias foram profetizadas na Escritura, como se colige do que segue: Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia.
N.B. — Quais testemunhos sejam esses, seria longo respondê-lo; falam sobretudo da paixão Is 53 e Sl 21; da ressurreição, Sl 15, especialmente o v. 10, citado por São Pedro e São Paulo (cf. At 2,31; 13,35), e o tipo de Jonas.
V. 47s. Abriu-lhes o sentido para que entendessem não só a paixão, mas também o fruto dela, a saber: a salvação do mundo, prenunciada nas Sagradas Escrituras: com efeito, está escrito ser necessário anunciar em seu nome a penitência (isto é, a conversão) e a remissão (isto é, para a remissão) dos pecados a todas as nações. A isso se referem todas as profecias sobre a admirável extensão do reino messiânico; tampouco é improvável que Cristo tenha apontado ainda para as profecias que prenunciavam a santidade e a justiça do Messias. — Começando (ἀρξάμενοι, construção anacolútica) por Jerusalém. Devia ter início em Jerusalém a pregação evangélica porque isto fora prometido mais de uma vez (cf. Sl 109,2; Is 2,2s; 28,16 etc.), e Cristo veio ao mundo como Redentor de todos os homens, mas também como Filho de Davi e Salvador dos judeus. — Vós sois (isto é, sereis) testemunhas de tudo isso, a saber: do cumprimento dos vaticínios.
V. 49. Eu enviarei sobre vós o prometido de meu Pai, isto é, o que meu Pai vos prometeu, a saber: o Espírito Santo (cf. Is 44,3; Ez 11,19; 36,26s; Jol 2,28 etc.), como se depreende de suas próprias palavras (cf. Jo 14,16ss; 16,6ss). Em seguida os manda permanecer em Jerusalém, até que recebam a virtude do alto, isto é, a infusão do Espírito Santo, e sejam como que revestidos de sua graça.
2. Ascensão do Senhor aos céus (Mc 16,19; Lc 24,50-53; At 1,4-12). — At 1,4s. Toda a narração que segue parece indicar unidade de cena, razão por que se pode pensar que todas essas coisas aconteceram no dia mesmo da Ascensão. Todavia, não há por que considerar improvável a opinião que vincula o v. 4s a outras circunstâncias (por exemplo, às aparições de Cristo diante dos discípulos). Cristo, pois, manda outra vez que os discípulos permaneçam na cidade até a vinda do Espírito Santo (cf. Lc 24,47ss).
V. 6. Então os que se tinham congregado no Cenáculo (cf. At 1,13), ou em algum outro lugar preestabelecido, interrogavam-no: Senhor, se é neste tempo, isto é, nos dias em que nos mandas permanecer em Jerusalém, que irás restabelecer o reino de Israel (τὴν βασιλείαν τῷ Ἰσραήλ, devolverás o reinado a Israel)? Ainda estavam cegos os olhos dos discípulos.
V. 7s. Ele disse-lhes: Não vos pertence a vós saber os tempos nem os momentos (χρόνους ἢ καιρούς = os tempos ou as oportunidade, isto é, os tempos oportunos) que o Pai pôs em seu poder, isto é, cujo conhecimento e dispensação o Pai reservou somente a si. A vós interessa saber unicamente isso: recebereis a virtude do Espírito Santo etc. (cf. Lc 24,49).
Lc 24,50s. Então Jesus levou-os para fora, até perto de Betânia (ἕως πρὸς Βηθανίαν, voltado para Betânia), isto é, até o monte das Oliveiras (cf. At 1,12), situado no caminho que levava a Betânia; e, erguidas as suas mãos (rogando ao Pai), abençoou-os, como um pai que, no leito de morte ou prestes a sair de viagem para terras distantes, se despede dos filhos. Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu, com o que o evangelista parece significar que Jesus não se afastou deles imediatamente, mas aos poucos, desaparecendo gradualmente de seus olhos, até que uma nuvem por fim o ocultou (At 1,9).
3. Aparição dos anjos (At 1,10ss). — V. 10s. Como estivessem olhando (ἀτενίζοντες) para o céu (tivessem os olhos fixos no céu), quando Ele ia subindo, eis que dois varões, isto é, dois anjos em forma humana (cf. Mc 16,5; Lc 24,4) se apresentaram vestidos de branco junto deles (cf. Mt 28,3; Jo 20,12 etc.), os quais lhes disseram: Homens da Galileia, por que estais aí parados olhando para o céu, como se Jesus fosse voltar para vós de novo? Em vão o esperais, pois subiu aos céus para reinar, e ali está sentado com grande poder e majestade, do mesmo jeito e da mesma forma em que virá para o juízo (cf. Mt 24,30): virá do mesmo modo que o viste ir para o céu (cf. Mt 24,31).
V. 12. Então (Lc 24,53 acrescenta: προσκυνήσαντες αὐτὸν, tendo-o adorado) voltaram para Jerusalém, do monte chamado das Oliveiras que dista de Jerusalém a jornada de um sábado (isto é, 2000 passos, ou 880 m), quer dizer, o que, sem descumprir o preceito da Lei, era lícito fazer em dia de sábado. “A ‘jornada de um sábado’ só estabelecida pelos rabinos com base em Ex 16,26. Embora ali se diga que ninguém deve sair do seu lugar em dia de sábado, os rabinos o explicavam como ‘de sua cidade’, e sob a cidade diziam estar compreendido também o subúrbio, cuja distância até a cidade era de dois mil cúbitos, como se diz em Nm 35,5. Tal distância era, pois, chamada ‘termo de sábado’.” (Knabenbauer).
Lc 24,52s, após mostrar os discípulos voltando a Jerusalém com grande alegria por causa do triunfo do Senhor e do cumprimento das profecias, conclui com essas palavras a narração: E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus.
Referências
- O comentário acima é uma tradução de H. Simón–G. G. Dorado, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 6.ª ed., Turim: Marietti, 1944, vol. 1, p. 1017ss, n. 773ss.
Notas
- Cf. R. Cornely, Commentarius in S. Pauli Apostoli Priorem Epistolam ad Corinthios. Paris: P. Lethielleux (ed.,), 1890, vol. 2, p. 546s: Em último lugar, confirma com seu próprio testemunho a ressurreição do Senhor; pois também ele vira com seus olhos Jesus ressuscitado e glorioso (v. 8): Por último, depois de todos (ἔσχατον δὲ πάντων [i.e., ἀποστόλων, após todos os demais Apóstolos, de quem falara imediatamente antes) foi também visto por mim, como por um aborto. Não há dúvida de [Paulo] que se refere à visão que, no caminho de Damasco, o fez converter-se à fé (cf. At 9,1ss), sem embargo do que Caetano e poucos outros objetam contra tal opinião. Com efeito, Ananias diz com toda a clareza que Jesus foi visto por Paulo no caminho (Ἰησοῦς ὁ ὀφθείς σοι ἐν τῇ ὁδῷ, At 9,17); Barnabé contou aos Apóstolos como Paulo vira o Senhor no caminho e falara com Ele (ἐν τῇ ὁδῷ εἶδεν τὸν κύριον, At 9,27); Jesus mesmo disse ter aparecido a Paulo para o constituir ministro e testemunha de quanto tivesse visto e viesse a ver (εἰς τοῦτο γὰρ ὤφθην σοι etc., At 26,16); envolto pois em grande clarão, Paulo ficou cego após ter visto o Senhor e falado com Ele. Pois bem, cumpre atender a que São Paulo elenca coordenadamente as aparições com que o Senhor apareceu aos Apóstolos antes da Ascensão quanto sua própria visão, de modo que devemos concluir que foram todas da mesma natureza. Logo, o Senhor foi visto por ele não em visão imaginária, como Ele às vezes se manifesta a alguns santos, mas real; Paulo viu com os próprios olhos o corpo de Cristo ressuscitado dos mortos: do contrário, como observa acertadamente Santo Tomás de Aquino, não poderia confirmar com seu testemunho a ressurreição de Cristo (cf. STh III 57, 6 ad 3). Se, no entanto, Cristo glorificado, para se manifestar a Paulo, deixou o céu e se aproximou dele localmente, o que parece sugerir Santo Tomás; ou se, por bilocação, fez seu corpo estar presente no Céu e na Terra ao mesmo tempo, como prefere Cornélio a Lapide; se, enfim, permanecendo no Céu, foi [apenas] visto por Paulo, como quer Justino, é aqui questão de somenos importância. Basta-nos assinalar que o corpo verdadeiro e próprio de Cristo glorificado foi visto por Paulo, para que este se tornasse testemunha da Ressurreição; sobre o modo de tal visão nada dizem as Escrituras
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